Não te direi nada...
Como foi sua última semana?
Você já mudou muito desde então?
Eu acho que morri pelo menos duas vezes: sou outra já.
Escuta: não quero te dizer nada.
Às vezes é tão cansativo falar. A gente quer que a outra pessoa saiba. Saiba apenas. Porque fez o caminho de saber. Sem a gente ter que colocar todas as sílabas da fala naquilo que é necessário se saber.
É como caminho.
Eu tenho o meu, meu bem. E ele é só meu.
Se tem coisa que não entrego mais a ninguém é meu próprio caminhar.
Esta lição meus pés finalmente apredenderam! A gente caminha juntas, aqui e ali, e ri e chora e segura as mãos e se abraça e se empurra nas subidas, mas caminho é coisa individual e intransferível.
Posso compartilhar contigo uma fala da escritora Maya Angelou?
A escutei semana passada. E está comigo desde então.
Olha:
“Com meu filho, quando ele tinha cerca de 8 ou 9 anos, eu disse para ele: Há um canto dentro de você que ninguém tem o direito de entrar. Nem mãe, pai, nem esposa ou marido, nem irmã - ninguém. Esse é um lugar que deve ser mantido primitivo. Esse lugar é tão valioso que talvez seja para onde você vai para se encontrar com Deus no seu último minuto. Ou no seu primeiro minuto com Ele - eu não sei. Mas lembre-se de se manter para você mesmo um lugar doce, um lugar no qual ninguém tem o direito de entrar e dizer "você deveria isso ou aquilo", e apontar o dedo para você e lhe dizer palavras que lhe expulsem de si.”
Joseph Campbell, um autor que eu gosto muito e que sempre enfatizou a importância das simbologias e dos símbolos, disse que a Sociedade é a metáfora de um dragão. E que neste dragão há muitas escamas. E que em cada uma das escamas do dragão se lê: “Tu deves”.
Então ele arremata:
Mate o dragão Tu Deves!
E faz o convite de que cada uma de nós viva a partir de seu próprio centro, daquilo que lhe traz a bem-aventurança subjetiva que só tem aquele formato que é o seu próprio e que não cabe em mais ninguém.
Esta é a solidão - como diria a Clarice Lispector.
Mas esse é também o estado de graça, como ela também disse.
Mas eu não te direi nada.
Estou aqui ocupada sendo.
E um pouco cansada das mortes que tive que morrer.
Mas quer escutar o Joseph?
Olha:
“Irromper é seguir seu padrão sublime,
abandonar o antigo lugar,
começar sua jornada de herói,
seguir sua bem-aventurança.
Você descarta o ontem como a cobra se livra de sua pele antiga.”
Fui escutar música hoje no café da manhã e o Milton Nascimento, cantando uma música do Beto Guedes, falou macio no meu ouvido:
“Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas com todo cuidado”
Tudo o que move é sagrado.
Tudo que move remove as montanhas do caminho. Ultrapassa os desafios, faz o caminho aparecer…
Façamos assim, meu bem, que hoje estou mais escutando do que falando: olha o que o Joseph me disse ainda:
“Destruição antes de criação.
Todo processo envolve alguma ruptura.”
Quero pele nova em mim: ainda que eu carregue as lições e dores que as peles antigas me trouxeram. Sempre que eu sentir que chegou a hora, quero me despir da pele velha, ainda que haja dor no processo. Ainda que eu precise suportar a fragilidade dolorida da pele recém criada e que ainda se faz, vulnerável e carne-viva.
Quero ser a cobra - livre da simbologia demoníaca do cristianismo clássico.
Quero ser a cobra - símbolo da ousadia do desejar conhecer.
Quero ser a cobra: que desliza por seu próprio caminho e não solta veneno algum a não ser que seja atacada.
Quero ser a cobra: e perder pele sempre que ela se tornar limite para aquilo que eu ainda posso crescer.
Mas não te direi nada, meu bem.
Pele, assim como caminho, é coisa de cada uma de nós.
Então, hoje não falarei nada.
Mas estou ouvidos. E te escuto. Te escuto.
Te escuto pulsar, inclusive. Que incrível isso.